ARTIGOS | Postado no dia: 24 setembro, 2025
ESTADO É CONDENADO A INDENIZAR ESTUDANTE AUTISTA POR FALHAS NO AMBIENTE ESCOLAR

O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição do neurodesenvolvimento que exige atenção especial no convívio social e, sobretudo, no ambiente escolar.
Crianças e adolescentes autistas precisam de acompanhamento adequado, adaptações pedagógicas e um olhar inclusivo, capaz de respeitar suas limitações e potencialidades.
A escola, como espaço de formação e proteção, tem o dever de garantir que esses alunos sejam acolhidos de forma digna, evitando situações de exposição, constrangimento e sofrimento.
Foi justamente a ausência desse cuidado que levou a Justiça de Jaraguá do Sul a proferir uma sentença condenando o Estado de Santa Catarina ao pagamento de indenização por danos morais a uma estudante autista de 17 anos e à sua mãe.
O caso concreto:
Na referida decisão ficou reconhecida a responsabilidade civil do Estado de Santa Catarina por falhas na condução pedagógica em uma escola pública, que resultaram em grave constrangimento e abalo emocional a uma estudante autista de 17 anos e reflexos diretos em sua mãe.
A aluna, diagnosticada com transtorno do espectro autista (TEA), nível 2 de suporte, não alfabetizada, foi constrangida em sala de aula ao ser instada por seu professor a realizar leitura diante dos colegas.
A situação desencadeou crises severas na estudante, incluindo recusa alimentar, episódios de autolesão, necessidade de atendimento médico e afastamento da escola por semanas.
A mãe da estudante também relatou abalo emocional intenso, perda de dias de trabalho e necessidade de acompanhamento psicológico.
Diante disso, a Justiça condenou o Estado ao pagamento de R$ 8.000,00 em indenização por danos morais à estudante e R$ 5.000,00 à mãe, reconhecendo os reflexos diretos do episódio em ambas.
A magistrada destacou que a Constituição Federal, em seu artigo 37, § 6º, prevê a responsabilidade objetiva do Estado pelos danos causados por seus agentes, bastando a comprovação do ato, do dano e do nexo causal.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[…]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
No caso, verificou-se que a falha não decorreu de conduta dolosa do professor, mas da omissão do Estado em fornecer informações adequadas sobre a condição da aluna.
O professor, que havia ingressado após a semana de integração, não foi informado de que a estudante não era alfabetizada, fato essencial para evitar constrangimentos.
Assim, ficou configurada a chamada omissão específica, hipótese em que o ente público tem o dever individualizado de agir para evitar o dano e não o faz.
O que caracteriza o dano moral?
Na sentença, ressaltou-se que o dano moral vai além do mero aborrecimento.
No caso da estudante, houve constrangimento público, crises de ansiedade, recusa alimentar e risco à própria saúde, situações que ultrapassam em muita qualquer tolerância social.
Quanto à mãe, o Judiciário reconheceu o chamado dano reflexo ou em ricochete, pois ela também sofreu consequências diretas do episódio, tanto emocionais quanto práticas, ao precisar interromper sua rotina laboral e buscar acompanhamento para lidar com a condição da filha.
Citando doutrina e jurisprudência, a decisão reforçou que o dano moral se caracteriza por ofensas à dignidade, à integridade psicológica e à normalidade da vida pessoal e familiar.
O valor das indenizações foi fixado levando-se em conta os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, o caráter pedagógico da medida e a necessidade de evitar enriquecimento sem causa.
Embora o Estado tenha alegado ter tomado providências posteriores, como a troca de professor e o acompanhamento pela equipe pedagógica, o Judiciário entendeu que tais medidas foram tardias e não afastam o dever de indenizar pelos danos já consumados.
A decisão tem especial relevância por reforçar o dever do Poder Público de assegurar inclusão escolar efetiva, com respeito às particularidades dos estudantes com deficiência.
O caso demonstra que a falta de comunicação e preparação adequada pode gerar graves consequências emocionais e psicológicas, impondo à Administração a responsabilidade de reparar os danos causados.
Número do processo: 5004702-10.2024.8.24.0036