ARTIGOS | Postado no dia: 18 novembro, 2025

A responsabilidade do credor pela averbação tempestiva e os reflexos nas alienações sucessivas

A discussão sobre fraude à execução ganha contornos cada vez mais relevantes na prática forense, especialmente diante das alienações sucessivas de bens imóveis. O recente julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP), na Apelação nº 1005132-42.2022.8.26.0554, oferece importante reflexão sobre a colisão entre o direito do credor e a boa-fé do adquirente, reafirmando a necessidade de equilíbrio entre a efetividade da execução e a segurança jurídica nas transações imobiliárias.

No caso em análise, o devedor em execução vendeu um imóvel após o início do processo, e este bem foi posteriormente revendido a outros compradores. O credor, ao identificar a alienação, alegou a ocorrência de fraude à execução e buscou a ineficácia da venda em relação à execução, pretendendo estender os efeitos a todos os adquirentes subsequentes.

O adquirente final, no entanto, apresentou defesa sustentando ter agido de boa-fé, uma vez que consultou a matrícula do imóvel, que não possuía qualquer averbação de penhora, e obteve todas as certidões negativas de praxe. Além disso, destacou que a averbação da penhora foi realizada apenas após a aquisição, o que afastaria qualquer presunção de fraude.

O TJ/SP, ao julgar o caso, rejeitou o pedido do credor, reconhecendo a validade da alienação final. Fundamentou sua decisão na Súmula 375 do STJ e no Tema 243 (REsp 956.943/PR), que tratam da boa-fé do terceiro adquirente.

A Súmula 375/STJ estabelece que:

“O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.”

O Tema 243/STJ, por sua vez, reafirma que a boa-fé é presumida quando não há registro da penhora ou averbação da ação na matrícula do imóvel. Cabe, portanto, ao credor diligente averbar a execução e adotar medidas preventivas.

O Tribunal paulista reforçou que a segurança jurídica e a boa-fé objetiva são pilares que sustentam a confiabilidade do sistema registral. Assim, não se pode penalizar o adquirente que confia nas informações oficiais e age com diligência razoável ao realizar a compra.

A decisão reafirma o valor normativo da boa-fé objetiva, princípio que exige lealdade e confiança recíproca nas relações jurídicas. No contexto imobiliário, a publicidade registral assume papel central: presume-se verdadeiro e oponível a todos o que está (ou não está) na matrícula do imóvel.

Como ensina Nelson Nery Jr., “a ineficácia relativa da alienação, prevista no art. 792 do CPC, não pode atingir o terceiro que confia na publicidade registral, sob pena de esvaziar o princípio da fé pública dos registros”.

Assim, a ausência de averbação da penhora ou da execução na matrícula impede o reconhecimento automático da fraude, mesmo em alienações sucessivas, salvo se comprovada má-fé subjetiva do adquirente.

O julgado deixa claro que o ônus da publicidade é do credor, que deve, nos termos do art. 828 do CPC, averbar a existência da execução no registro imobiliário. A omissão nessa providência pode comprometer a efetividade da execução e proteger o adquirente diligente, que agiu conforme as cautelas usuais.

Por outro lado, o comprador também deve exercer dever de cautela, solicitando certidões atualizadas e verificando a matrícula antes da compra. A negligência do adquirente, por exemplo, deixar de consultar o cartório, afasta a presunção de boa-fé.

O equilíbrio entre credor e comprador é, portanto, a chave do sistema: ambos possuem deveres de cuidado proporcionais ao seu papel na relação.

Implicações práticas

Para o credor

  • Averbar a execução e a penhora imediatamente após a citação do devedor;
  • Monitorar a matrícula dos bens para evitar transferências fraudulentas;
  • Produzir provas de má-fé, quando a alienação já ocorreu sem registro.

Para o adquirente

  • Exigir certidões negativas (cíveis, fiscais, federais, trabalhistas);
  • Consultar a matrícula atualizada;
  • Guardar a documentação comprobatória da diligência prévia.

Para os advogados

  • Utilizar a Súmula 375/STJ e o Tema 243 como argumentos centrais;
  • Em defesa do adquirente, demonstrar boa-fé e ausência de ciência da demanda;
  • Na posição do credor, argumentar má-fé ou conluio, quando houver indícios concretos.

O precedente do TJ/SP reforça a necessidade de equilíbrio entre a efetividade da execução e a segurança jurídica dos negócios. A boa-fé objetiva e a publicidade registral continuam sendo os instrumentos mais sólidos para preservar a confiança nas relações imobiliárias.

Em última análise, o julgado reafirma que a diligência é um dever compartilhado:

  • Do credor, que deve dar publicidade à execução;
  • E do comprador, que deve verificar as informações disponíveis.

A proteção jurídica recairá sempre sobre aquele que agiu com prudência e transparência, valores indispensáveis à estabilidade do sistema civil e processual brasileiro.

 

Referências

BRASIL. Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 mar. 2015.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmula 375. Brasília: STJ, 2009.

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 956.943/PR (Tema 243). Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 10 nov. 2010.

NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 18. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2024.