ARTIGOS | Postado no dia: 3 outubro, 2025

Mesmo fora da cobertura, plano deve atender complicações de cirurgia estética

No dia 8 de setembro de 2025, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que os planos de saúde são obrigados a custear atendimentos de emergência decorrentes de intercorrências clínicas ocorridas durante cirurgias plásticas estéticas, mesmo que tais procedimentos não estejam incluídos na cobertura contratual.

O caso julgado envolvia uma paciente que, durante uma cirurgia estética realizada por conta própria, sem vínculo com o plano de saúde, sofreu uma complicação grave e necessitou de transfusão de sangue e exames laboratoriais urgentes em hospital da rede credenciada. A operadora do plano se recusou a arcar com os custos, alegando que a cirurgia plástica era de natureza exclusivamente estética e, portanto, fora da cobertura assistencial.

Contudo, a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, destacou que, embora a cirurgia em si não esteja prevista no rol de procedimentos obrigatórios cobertos pelos planos de saúde, as consequências clínicas imprevistas que colocam a vida ou a integridade da paciente em risco configuram uma situação de emergência médica, o que obriga a operadora a prestar o atendimento.

A decisão foi unânime na Turma e reafirma o entendimento já consolidado pelo próprio STJ de que a recusa indevida à cobertura em situações de urgência ou emergência configura prática abusiva, nos termos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/1998).

De acordo com o artigo 35-C da Lei dos Planos de Saúde, é obrigatória a cobertura dos atendimentos de urgência e emergência a partir das 24 horas da contratação do plano. O dispositivo visa justamente a proteção do consumidor em momentos críticos, nos quais a recusa à assistência pode acarretar risco real de morte ou agravamento da saúde.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por meio da Resolução Normativa nº 465/2021, também reforça que complicações posteriores a procedimentos não cobertos, como cirurgias estéticas, por exemplo, devem ser atendidas, desde que os procedimentos necessários à intervenção emergencial estejam dentro do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, o que foi verificado no caso.

A ministra Andrighi foi categórica: “Não se pode confundir a negativa legítima de cobertura para cirurgia estética com a recusa indevida de atendimento emergencial, quando o procedimento é necessário para preservar a vida do paciente.”

Essa decisão reforça a jurisprudência protetiva do STJ e serve como orientação para as instâncias inferiores, além de representar um alerta às operadoras de planos de saúde sobre os limites da negativa de cobertura. É importante destacar que o foco da análise judicial não é a cirurgia em si, mas o contexto emergencial que se segue a ela.

Na prática, isso significa que, mesmo que o contrato não preveja a cobertura de cirurgias estéticas, o plano de saúde não pode se omitir diante de uma emergência clínica decorrente dessa intervenção, especialmente se o paciente for atendido em hospital da própria rede conveniada.

Além de proteger o consumidor em uma situação vulnerável, a decisão contribui para o fortalecimento da segurança jurídica no setor. Em tempos de judicialização da saúde, decisões como essa estabelecem critérios claros sobre o que deve, e o que não pode, ser negado pelas operadoras.

Especialistas apontam que esse julgamento também serve para reequilibrar as relações contratuais entre segurado e operadora, evitando cláusulas ambíguas ou práticas que coloquem o consumidor em desvantagem excessiva, violando o princípio da boa-fé objetiva.

A decisão do STJ representa um importante avanço na defesa do consumidor e na interpretação mais humana e razoável dos contratos de plano de saúde. Em resumo: não importa se a cirurgia é estética e não coberta, se há risco real à vida, o plano de saúde tem o dever legal e moral de prestar socorro.

Neste cenário, a Justiça reforça que a dignidade da pessoa humana e o direito à saúde prevalecem sobre interpretações restritivas e abusivas dos contratos. E esse é um recado claro: em situações de emergência, o que está em jogo não é um número de cláusula, mas a vida do paciente.