ARTIGOS | Postado no dia: 4 setembro, 2025
O estelionato sentimental e a responsabilidade civil: a resposta do stj à manipulação afetiva com fins patrimoniais

O chamado estelionato sentimental é uma expressão utilizada para descrever uma conduta em que uma pessoa simula envolvimento amoroso com o intuito de obter vantagens financeiras indevidas da outra parte, geralmente em situação de vulnerabilidade emocional.
Ainda que não previsto de forma expressa na legislação penal brasileira, essa prática tem ganhado crescente atenção da jurisprudência, especialmente no campo da responsabilidade civil, diante dos danos patrimoniais e morais que provoca às vítimas.
Do ponto de vista jurídico, o estelionato sentimental pode gerar consequências tanto na esfera civil quanto na criminal. Na esfera cível, aplica-se o artigo 186 do Código Civil, que impõe reparação àquele que, por ação ou omissão voluntária, causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral. Já na esfera penal, ainda que a prática ainda careça de tipificação específica, há projetos de lei em trâmite que propõem sua inclusão no artigo 171 do Código Penal, como modalidade específica de estelionato.
Foi exatamente sob essa perspectiva que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou o Recurso Especial n.º 2.208.310/SP, interposto por um homem condenado a indenizar sua ex-companheira após o reconhecimento judicial de que ele se envolveu amorosamente com ela apenas para obter vantagens patrimoniais. A vítima, viúva e financeiramente estável, foi induzida a arcar com uma série de despesas do réu — que chegaram a R$ 40 mil — sob promessas de um relacionamento duradouro que nunca se concretizou de forma genuína.
De acordo com os autos, o homem, doze anos mais novo, aproximou-se da autora enquanto ainda era casado, envolveu-se afetivamente com ela e, durante o relacionamento, passou a relatar dificuldades financeiras e fazer pedidos de ajuda. A autora, movida por sentimentos e confiança, realizou diversos pagamentos, inclusive de despesas pessoais, dívidas, cursos, compra de bens e até o divórcio do réu.
Após a recusa da autora em atender a mais um pedido financeiro, o réu abandonou abruptamente a residência e terminou o relacionamento. A conduta levou a autora a ajuizar ação indenizatória, sustentando que fora vítima de estelionato sentimental, sendo enganada com fins patrimoniais. O juízo de primeira instância deu razão à autora, fixando indenização por danos materiais no valor de R$ 40 mil e danos morais em R$ 15 mil.
O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve integralmente a sentença. Ao analisar o recurso especial do réu, o STJ também confirmou a decisão das instâncias inferiores. A Corte entendeu que ficaram demonstrados todos os elementos caracterizadores do ato ilícito: a vantagem indevida, o ardil e o induzimento ao erro, caracterizando-se o estelionato amoroso como causa de responsabilidade civil.
A relatora, Ministra Maria Isabel Gallotti, destacou que, mesmo que os pagamentos tenham sido espontâneos, isso não afasta a ilicitude da conduta, uma vez que a vítima agiu iludida por promessas afetivas falsas. Para o STJ, o ponto central não foi o término do relacionamento, mas sim o uso deliberado de sentimentos alheios para obter proveito econômico.
Ao negar provimento ao recurso especial, o STJ firmou importante precedente no combate à exploração emocional com fins patrimoniais. Reafirmou-se, assim, que o ordenamento jurídico brasileiro não tolera enriquecimento sem causa nem tampouco condutas ardilosas que resultem em prejuízo alheio.
A decisão reforça a necessidade de reconhecer juridicamente os danos causados por relações afetivas construídas com má-fé e intencionalidade lesiva. Além disso, acende o alerta para que vítimas desse tipo de abuso emocional busquem respaldo judicial, tanto para reparação quanto para que se evite a impunidade de práticas cada vez mais frequentes em nossa sociedade.