ARTIGOS | Postado no dia: 9 dezembro, 2025
EFEITOS ABRANGENTES DA RENÚNCIA À HERANÇA: STJ CONSOLIDA IRREVOGABILIDADE E EXTENSÃO A BENS FUTUROS EM SOBREPARTILHA

No âmbito do direito sucessório, a herança é o conjunto de bens, direitos e obrigações deixados por uma pessoa após seu falecimento, sendo transmitido aos seus herdeiros legítimos ou testamentários conforme as regras previstas no Código Civil.
Embora, em regra, a herança seja vista como um acréscimo patrimonial positivo, existem situações em que os herdeiros optam por renunciar à sua cota hereditária.
As razões para a renúncia são variadas. Muitas vezes, ela ocorre para evitar a assunção de dívidas superiores aos bens transmitidos, por questões familiares, estratégicas (como a transferência direta para filhos ou outros parentes), ou ainda por litígios entre os herdeiros.
Trata-se de um ato unilateral, voluntário e formal, que deve ser manifestado expressamente nos autos do inventário, nos termos do artigo 1.806 do Código Civil.
Nessa senda, recentemente o Superior Tribunal de Justiça recentemente firmou entendimento relevante no direito sucessório, ao decidir que a renúncia à herança possui caráter indivisível e irrevogável, alcançando também os bens e direitos do falecido que venham a ser descobertos e levados à sobrepartilha posteriormente.
Essa decisão impede que o herdeiro que formalmente renunciou à sua quota hereditária possa reclamar direitos sobre bens que, à época do inventário, eram desconhecidos.
Caso concreto
A controvérsia surgiu a partir do pedido de habilitação de crédito em processo falimentar, solicitado por uma mulher que era herdeira da credora original da massa falida.
O juízo de primeiro grau e o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios admitiram a habilitação.
O tribunal, em particular, argumentou que não seria razoável estender os efeitos da renúncia realizada no momento do inventário a bens ou direitos que eram desconhecidos, como o crédito em questão.
Além disso, a corte estadual invocou a existência de uma sentença transitada em julgado que havia homologado a sobrepartilha, reconhecendo o direito da herdeira ao crédito.
A massa falida, por sua vez, recorreu ao STJ, sustentando que a renúncia atingiria a totalidade dos direitos hereditários, sendo impossível sua revogação ou limitação, mesmo diante do surgimento posterior de bens.
O Ministro Relator, destacou em seu voto que a renúncia à herança é um ato jurídico que possui dupla característica essencial: indivisibilidade e irrevogabilidade, conforme o art. 1.812 do Código Civil.
Segundo o Ministro, a renúncia opera um efeito retroativo (ex tunc), fazendo com que o renunciante seja considerado como se nunca tivesse sido herdeiro, despojando-o por completo de qualquer direito sobre o patrimônio transmitido. A doutrina e a jurisprudência do STJ consolidam que a renúncia deve ser manifestada sobre a totalidade da herança, não se admitindo que seja parcial, sob condição ou a termo.
Nesse diapasão, o Relator asseverou: “A renúncia acaba por inteiro com o direito hereditário do renunciante, como se tal direito nunca tivesse existido, não lhe remanescendo nenhuma prerrogativa sobre qualquer bem do patrimônio.”
O STJ ressaltou que, embora a descoberta de novos bens após o inventário autorize a sobrepartilha, nos termos da lei, tal procedimento visa apenas a partilhar o que não foi dividido anteriormente; ele não tem o condão de rescindir ou anular a partilha já realizada, nem, por consequência, o ato de renúncia previamente formalizado pelo herdeiro.
A herdeira renunciante alegou que o trânsito em julgado da sentença da sobrepartilha impedia a rediscussão do seu direito ao crédito.
No entanto, o Ministro pontuou que a eficácia da sentença se restringe às partes do processo, consoante art. 506 do Código de Processo Civil.
Como a massa falida, que impugnou a habilitação, era estranha ao processo de sobrepartilha, ela não é atingida pela imutabilidade da matéria ali versada.
Desse modo, o Relator observou que a sentença da sobrepartilha se limitou a homologar uma proposta de divisão entre os descendentes, sem analisar a validade da renúncia anterior.
Com base nesses fundamentos, ficou decidido pela extinção da habilitação de crédito, sem resolução do mérito, por falta de legitimidade ativa da herdeira renunciante, conforme o art. 485, VI, do CPC.
Diante disso, o precedente reforça a seriedade e a definitividade do ato de renúncia na sucessão, alertando que a manifestação de vontade abrange a totalidade do acervo hereditário, presente ou futuro, não se compatibilizando com a posterior reivindicação de direitos em sede de sobrepartilha.
Assim, a decisão do STJ serve como alerta aos herdeiros, para que considerem com cautela os efeitos amplos e permanentes da renúncia, pois esta extingue de forma absoluta qualquer expectativa ou direito sobre o patrimônio deixado pelo falecido.
