ARTIGOS | Postado no dia: 29 dezembro, 2025
Abandono afetivo e responsabilidade civil: um novo marco no Direito de Família

A Lei nº 15.240/2025 trouxe alterações significativas ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), consolidando o abandono afetivo como um ato ilícito civil. O ECA foi instituído para garantir a proteção integral e o desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes, reconhecendo-os como sujeitos de direitos. De acordo com o artigo 4º do Estatuto, é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.
A nova lei reforça esse dever ao modificar o parágrafo único do artigo 5º, que agora considera ilícita qualquer ação ou omissão que ofenda direito fundamental da criança ou do adolescente, incluindo o abandono afetivo. Além disso, o artigo 22 passa a prever expressamente que os pais têm, além dos deveres de sustento, guarda e educação, a obrigação de oferecer assistência afetiva, reconhecendo o afeto como elemento essencial da parentalidade responsável.
Esse entendimento está em plena harmonia com o artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à convivência familiar e comunitária, colocando o afeto e a presença parental como pilares da formação e da dignidade humanas. Assim, a nova lei não apenas reafirma a centralidade da família na proteção dos direitos fundamentais, mas também confere força jurídica ao dever de amar, cuidar e conviver, antes restrito ao campo moral.
Em síntese: Sumir da vida do filho agora tem consequências legais.
O que diz a nova lei
A Lei 15.240/2025 modificou dois dispositivos centrais do ECA:
- Art. 5º (parágrafo único): passa a considerar ilícita a ação ou omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente, incluídos os casos de abandono afetivo.
- Art. 22: além dos deveres de sustento, guarda e educação, os pais agora têm o dever de assistência afetiva.
Essa “assistência afetiva” não se resume a gestos de carinho. Ela envolve uma presença contínua e responsável na vida dos filhos: apoio emocional, orientação moral e educacional, solidariedade em momentos difíceis e convivência física sempre que possível.
A previsão não é inédita no campo doutrinário. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia reconhecido, em precedentes históricos, a possibilidade de indenização por abandono afetivo em situações excepcionais.
O que muda com a nova lei é que o tema sai da esfera interpretativa da jurisprudência e ganha amparo expresso em lei federal, tornando mais claro o dever jurídico de convivência e cuidado emocional.
Na prática, o genitor que deliberadamente se omite do convívio, ignora o filho ou se recusa a exercer seu papel afetivo poderá ser responsabilizado civilmente. A reparação ocorrerá, em regra, na forma de indenização por danos morais, desde que haja prova do sofrimento e do prejuízo emocional.
Aplicações práticas e impactos no Judiciário
Com a sanção da Lei 15.240/2025, juízes e tribunais passam a contar com uma base normativa clara para responsabilizar o genitor ausente. Além da indenização civil, o abandono afetivo pode impactar:
- disputas de guarda, servindo como fator negativo na avaliação de conduta parental;
- direitos de visita e convivência, que poderão ser limitados;
- processos de perda do poder familiar, em casos graves;
- análises de alimentos e herança, quando o comportamento omissivo compromete o vínculo familiar.
É importante frisar que a nova lei não criminaliza o abandono afetivo. Trata-se de um ilícito civil, voltado à reparação e à preservação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, e não à punição penal do pai ou da mãe.
A inovação legislativa traz também desafios, a prova da omissão e do dano emocional será o principal obstáculo prático. A avaliação do abandono afetivo exigirá laudos psicológicos, testemunhos e análise das circunstâncias familiares, evitando decisões baseadas apenas em ressentimentos ou conflitos de guarda.
O Judiciário deverá equilibrar dois valores constitucionais: o direito da criança à convivência familiar saudável e a liberdade de formação dos vínculos afetivos, preservando o melhor interesse do menor sem transformar o afeto em imposição artificial.
Mais do que criar uma hipótese de indenização, a Lei 15.240/2025 redefine a função parental no ordenamento jurídico brasileiro. O dever de amar e conviver, antes apenas moral, agora tem força de lei. O texto legal reconhece que o desenvolvimento integral da criança não depende só do sustento material, mas também da presença, escuta e afeto.
Como sintetizou o espírito da norma:
“Assistência afetiva é tão essencial quanto o alimento e a educação. A omissão emocional também fere direitos fundamentais.”
A Lei 15.240/2025 marca um avanço simbólico e prático na proteção da infância e no reconhecimento do valor jurídico do afeto. Ao transformar o abandono afetivo em ilícito civil, o legislador reafirma que a paternidade e a maternidade não se esgotam no dever de sustento: exigem vínculo, presença e responsabilidade emocional.
O amor, ainda que não possa ser imposto, passa a ter efeitos jurídicos concretos quando sua ausência causa danos. E a mensagem que a lei deixa é clara: quem desaparece da vida do filho, paga, não apenas em sentimentos, mas também em responsabilidade civil.
