ARTIGOS | Postado no dia: 22 dezembro, 2025
USO DE EMBRIÕES CONGELADOS APÓS O ROMPIMENTO CONJUGAL: AUTONOMIA REPRODUTIVA E CONSENTIMENTO

O avanço das técnicas de reprodução assistida trouxe profundas transformações no direito de família, especialmente quanto à autonomia reprodutiva e ao destino dos embriões criopreservados.
A fertilização in vitro, prática comum em casais com dificuldade de concepção, gera não apenas consequências biológicas, mas também questões jurídicas e éticas complexas, sobretudo quando ocorre o rompimento conjugal antes da utilização dos embriões.
Nesse contexto, surge o questionamento: é possível que apenas um dos ex-cônjuges autorize o uso dos embriões congelados?
O tema envolve princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, a autonomia da vontade, o direito à liberdade reprodutiva e o direito de não ser genitor contra a própria vontade.
A autonomia reprodutiva e o consentimento informado
A Constituição Federal de 1988 consagrou o planejamento familiar como livre decisão do casal, nos termos do art. 226, §7º, sendo vedada qualquer forma coercitiva por parte do Estado.
O dispositivo estabelece que a autonomia reprodutiva é expressão da liberdade individual e da dignidade humana, consoante art. 1º, III, CF.
No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 9.263/1996 (Lei do Planejamento Familiar) e as Resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM) regulamentam os métodos de reprodução assistida.
A Resolução CFM nº 2.320/2022 determina que o uso dos embriões criopreservados depende de consentimento expresso e simultâneo de ambos os doadores genéticos, especialmente em caso de separação, divórcio ou falecimento de um deles.
Assim, o consentimento informado é elemento essencial e deve ser prévio, livre e consciente, podendo ser revogado a qualquer tempo antes da utilização dos embriões.
O rompimento conjugal e a controvérsia jurídica
Após o rompimento conjugal, é comum que surja o impasse: um dos ex-parceiros deseja utilizar os embriões congelados para gestação, enquanto o outro se opõe.
Juridicamente, essa situação gera conflito entre dois direitos fundamentais, o direito à maternidade/paternidade desejada (autonomia reprodutiva positiva) e o direito de não ser pai ou mãe contra a própria vontade (autonomia reprodutiva negativa).
O Superior Tribunal de Justiça ainda não firmou tese definitiva, mas precedentes têm reconhecido que o consentimento mútuo é imprescindível.
Em casos semelhantes, tribunais têm entendido que a revogação do consentimento impede a utilização dos embriões, justamente para proteger o direito de quem não deseja ser genitor, conforme dispõe o art. 15 do Código Civil “ninguém pode ser constrangido a submeter-se a tratamento médico ou a intervenção”.
Além disso, o art. 1.597, III, do Código Civil reconhece a filiação havida por fecundação artificial homóloga mesmo após a morte do marido, desde que haja autorização prévia e expressa.
Essa regra reforça a necessidade de consentimento como elemento constitutivo da parentalidade.
Aspectos éticos e biojurídicos
A controvérsia extrapola o plano jurídico e adentra o campo da bioética. O embrião in vitro, ainda que não implantado, goza de proteção jurídica, mas não é titular pleno de direitos da personalidade.
A ética biomédica, pautada pelos princípios da autonomia, beneficência, não maleficência e justiça, exige que o uso dos embriões respeite tanto a dignidade dos envolvidos quanto a finalidade original do procedimento.
Ademais, o armazenamento prolongado de embriões sem destino definido tem gerado debates sobre sua destinação final, como descarte, doação para pesquisa ou uso posterior, pois todos dependentes de anuência expressa dos genitores.
Dessa forma, o uso de embriões congelados após o rompimento conjugal desafia os limites do direito e da ética contemporânea.
A autonomia reprodutiva deve ser preservada em sua integralidade, reconhecendo o direito de ambos os ex-parceiros de consentir ou não com a geração de um filho após o término da relação.
O princípio do consentimento mútuo, portanto, é indispensável para legitimar qualquer ato reprodutivo. Impor a parentalidade a alguém contra sua vontade seria violar a dignidade humana e o livre planejamento familiar.
Assim, a solução jurídica mais equilibrada reside na exigência de autorização expressa, conjunta e atual de ambos os doadores genéticos, garantindo que o exercício da liberdade reprodutiva seja pleno, responsável e consentido.
