É inegável que o acesso às redes sociais, em decorrência da democratização da internet, revolucionou as relações afetivas ante a possibilidade de múltiplas conexões com pessoas remotas, sejam elas conhecidas ou não. Assim, através da web, namoros e casamentos podem ser idealizados, planejados e concretizados sem muitos óbices.

Experienciar um romance, dividir a vida com outrem e construir um núcleo familiar pode ser o desejo de muita gente; afinal de contas, o homem é um animal social, conforme a máxima aristotélica elucidada na obra “Política”. Entretanto, à medida que interações inter-humanas crescem no mundo virtual, o rompimento da boa-fé e seus desastrosos desdobramentos têm se tornado, infelizmente, corriqueiro. E uma das sequelas do inadequado manuseio da internet é o chamado “estelionato sentimental”, também denominado “estelionato afetivo” ou “golpe do amor”.

O conceito do crime de estelionato pode ser extraído do caput do artigo 171 do Código Penal, qual seja: “obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.

Já o estelionato sentimental – conceito advindo de entendimentos jurisprudenciais a contar de 2014 – é a manipulação de sentimentos, precedida de um falso relacionamento afetivo. Aqui, o estelionatário seduz a vítima para levá-la a crer que sua afeição por ele é correspondida. Encantada a vítima, o autor do fato abusa de sua confiança e da intimidade desenvolvida para obter exorbitantes vantagens patrimoniais.

Essas vantagens, em geral, se dão por transferências e depósitos bancários e transferências via pix, mas podem ocorrer também por meio de compras, vendas, doações e transferências de bens. E é importante destacar que, embora facilite a aproximação do criminoso, o meio eletrônico é uma qualificadora, e não um requisito essencial para a configuração delituosa.

Em se tratando de estelionato afetivo praticado eletronicamente – o que é mais habitual –, o § 2º-A do artigo 171 do Estatuto Repressivo prevê a qualificadora de fraude eletrônica, a estabelecer que: “a pena é de reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa, se a fraude é cometida com a utilização de informações fornecidas pela vítima ou por terceiro induzido a erro por meio de redes sociais, contatos telefônicos ou envio de correio eletrônico fraudulento, ou por qualquer outro meio fraudulento análogo”.

Nessa hipótese de golpe, portanto, o erro se caracteriza pela relação amorosa arquitetada; já a sua forma qualificada pode ser considerada pelo fato de a vítima, ludibriada, fornecer informações pela web.

Conquanto a internet tenha facilitado enlaces afetivos, também propiciou a criação e a recriação de atos ilícitos. Por conseguinte, destacam-se as necessidades de conscientização sobre os perigos virtuais e de promoção da responsabilidade digital.

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